Tuesday, August 21, 2007

A Joana


Fui acompanhar a Debbie ao Hospital da Luz a uma consulta rotineira de oftalmologia. Ela convenceu-se que estava a ver muito mal pois tinha lido “Berlim” em vez de “Belém” num autocarro que se aproximava enquanto (des)esperava à chuva. A Débora detesta médicos, hospitais e é daquelas pessoas que quase desmaia quando vê sangue, cheira éter ou ouve falar em agulhas. Como deliciosa contradição, passa a vida a ver filmes de terror de série B, cheios de vampiros, zombies, moto-serras e galões de sangue falso.

Para compensar a neura matutina dela eu ia cantatolando alegremente “Doctor, doctor give me the news, I’ve got a bad case of lovin’ you” do Robert Palmer. Depois de me deitar vários olhares maléficos do estilo “eu vou-te estrangular se não te calas” e de eu lhe deitar a língua de fora de volta, lá acabou por sorrir e anuir que não valia a pena estar neurótica pois não era nem o psicanalista, nem a ginecologista, nem o dentista.

Ai, isto de estar apaixonada opera milagres nas pessoas. Ela ainda não mo disse por estas palavras, mas a Moura que andava na costa já atracou. Os sintomas não enganam, os olhos brilham, a luz emana e, não raramente, apanho-a com cara de parva, com o olhar fixo no infinito, a sorrir sozinha.

Chegados ao nosso destino dirigimo-nos para o elevador 13. As instalações são muito boas, arquitectonicamente apelativas para um leigo, e a atirar para o finório, mas os elevadores demoram uma eternidade. Enquanto esperávamos reparámos numa rapariga engraçada que também olhava especada para as portas cerradas do número 13. Tinha uns olhos lindos, umas roupas leves de verão e estabeleceu contacto visual connosco de imediato. Poderia alegar que o meu magnetismo ervilhal era o causador disto, mas, provavelmente, o facto de eu nesse altura ter mudado para o “Tiiiiime is on my side, yes it is” dos Stones é que fez com que não passássemos despercebidos.

Como não guio e não posso dessa forma dar largas à minha agressividade leguminal basal, tornei-me com o decorrer dos anos num chico-esperto pedonal. Exasperado com a demora, comecei, alto e bom som, a gizar planos alternativos para chegarmos à recepção de oftalmologia. “Podíamos ir por aquela escada rolante ali, chegados ao andar de cima invertíamos a marcha 180 graus, deve haver umas portas de comunicação e depois...”. “Sim, sim, depois fazes-me um croqui” respondeu-me a Debbie secamente. A míuda dos olhos lindos não conseguiu evitar um sorriso ao ver-me ser posto na ordem.

O elevador lá se dignou a aparecer e depois de deixar entrar as senhoras perguntei aos Olhos “Para que andar vais?” no meu estilo espanholado de tratar toda a gente por tu. Ela disse “Primeiro” e eu ao olhar para o painel verifiquei que aquele ascensor só ia mesmo até ao primeiro. Se fosse mais novo teria corado.

Quando saímos a Debbie perguntou-me:

“Sabes quem é, não sabes?”

“Quem é quem?”

”A rapariga, Ervi!”

”Não, porquê? Devia saber?”

”Pensei que sabias, parecias um galo dentro do elevador, quase que te babavas”

”Que exagero Débora Maria! Era engraçada, e depois?”

”É aquela actriz do anúncio dos cabelos que tu gostas tanto”

”Ah! A coisa....espera...a neta...Joana Solnado??”

”Sim, Ervi. É ela.”

“Deb, não tem nada a ver. Percebo o que dizes, uma vaga semelhança, talvez os olhos”

“Ervi, tenho a certeza absoluta, É ela”

“Lá estás tu a contrariar-me Débora Maria. Sabes perfeitamente que eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas”

“Está bem fica lá com a bicicleta”

Sentámo-nos separados, de braços cruzados e a suster a respiração. As nossas zangas nunca duram mais de dois ou três minutos, o que não é mal visto pois respirar é de importância extrema. Normalmente cedemos à vez e desta feita foi a minha. Fui-lhe buscar um copo de água meia fresca meia natural como ela gosta e já estava, já tinha passado.

Nisto uma voz metalizada diz através dos altifalantes: “Senhora Joana Solnado, gabinete três, Joana Solnado, três”. Os Olhos levantam-se e desaparecem para além da porta do gabinete três. Eu volto-me para a Débora e digo com o meu sorriso de 300.000 Watts:

“Vês, eu não te disse? Bem me parecia...”

A Débora faz uma cara que só uma mulher consegue fazer a um homem, cara essa que lhe faz sobressair as fantásticas covinhas que tem nas bochechas e abanando a cabeça responde:

“Ai que caramelo que tu me saíste...”

13 comments:

Anonymous said...

Ervilhoca és mesmo um grande caramelo! Cada dia me surpreendes mais!Mudas de "cenário", de assunto e de estilo com uma "velocidade" impressionante. Tens a capacidade de relatares pormenores que à maioria dos mortais escapam. No entanto, não "adormeças à sombra da bananeira".Beijos

Bad Girl said...

A foto é da reacção dela às tuas cantorias?
Gostei do relato.

Ervi Mendel said...

Por acaso se há coisa que eu não conseguiria fazer nem para salvar a vida seria cantar bem!

Obrigado e obrigado pela visita!

Ervi

Anonymous said...

O não saber cantar foi herança da parte materna. I am sorry! Nem tudo pode ser perfeito

Anonymous said...

Ainda bem que ao conceberes não tivesses optado por uma IVG! Estás a parir um verdadeiro escritor. Entretanto, cuidado com os excessos porno e metafóricos! São amarras que o teu voo pode e deve dispensar. Aviso de pediatra!

AT

Anonymous said...

Atenção AT,a vagem não é muito dotada intelectualmente, não aderiu à moda das siglas de modo que não sabe o significado de IVT.Também não entende ao que se refere com os excessos "porno e metafóricos".Quem voa? Quais amarras? Desculpe a sua falta de esperteza, mas não se pode ter tudo. Ela é loura, chiquérrima e vai passar férias à Côte d´Azur.

Anonymous said...

Olá "todo terreno" deixa-te de diálogos que isto é "tudo treta". A tua loira também!

AT

Anonymous said...

AT juro que a vagem loira/loura existe, aqui para nós é burrinha, mas cada um nasce com um código genético que não escolhe.Eu sou unha com carne com ela adoro-a mas .... não a posso "cultivar" tanto mais que ela já começa a ficar senil e eu, muitas vezes, fico sem resposta, para as perguntas idiotas que me faz.
Atenção que para haver diálogo são pelo menos precisos dois.

Anonymous said...

tt, onde é que está o outro?

AT

Anonymous said...

É o menino meu querido AT, que continua a dar-me "trela".

Anonymous said...

A despropósito AT, deixe de "jogar" com o meu "tt"porque eles representam o meu segundo nome e o meu último apelido ( o que para mim é uma coisa muito séria).Faço-lhe um desafio, veja se, com a sua "ligeireza", descobre o meu 2º nome. Se acertar eu como 2 sapos vivos!

Anonymous said...

Vou desatrelar. Adeus tt!

AT

Anonymous said...

Temos HOMEM DE BARBA RIJA!Pensa que manda mas não aceita desafios!Não sou MULHER para ser "atrelada nem desatrelar", costumo colocar a trela,a coleira, o açaime e usar o chicote, nos que pensam que são machões, nesta nossa "República dos Amendoins",porque as boas bananas estão quase todas extintas.
É com pequena que digo ADEUS ao AT, o último machão luso!