Friday, September 21, 2007

Fruta (Parte I)


Não descasco uma maçã desde 1979. E por simpatia e coerência, nenhum outro tipo de fruta. Se me estiver mesmo a apetecer, e não houver ninguém por perto que me faça o obséquio, como-a com casca e tudo. Menos o ananás. E sem lavar, claro. E se tiver autocolante, não tiro. Nada de estranhar numa pessoa que prefere a gordura à carne da picanha, a parte branca do fiambre, a casca vermelha do Flamengo e a pele do leitão e do frango de churrasco a qualquer outro pedaço.

Também não como nenhuma fruta que não existisse em Portugal antes do 25 de Abril. Chamam-me esquisito. Não é verdade, tenho é um gosto bem definido, perfeitamente balizado, sei o que me agrada e não meto qualquer coisa que me apareça à frente na boca. Já passei por essa idade.

Há cerca de cinco anos tive a infeliz ideia de, por cerimónia, comer uma fatia de papaia. Por um lado foi bom pois deu-me uma perspectiva completamente diferente da vida. Antes da Papaia (AP) pensava que a Guerra, o Genocídio, A Fome, A Moqueca e o Vatapá de Peixe, As Comidas Experimentais do Jeffrey, As Doenças em geral e a Peste Bubónica em particular eram o pior dos horrores. Coisas que não se desejavam nem ao mais abjecto e vil dos nossos inimigos. Depois da Papaia (DP) percebi estava totalmente equivocado e que o pior, de longe e sem qualquer contestação possível, era mesmo a papaia.

*****

Estávamos em 1979, numa tarde primaveril perfeita e eu sozinho em casa.

Nos meses anteriores a Patty Hearst foi libertada da prisão, o Sid Vicious tinha ido desta para melhor, o Ai-a-Tola Khomeini chega ao poder no Irão e Maggie, a Dama de Ferro, faz o mesmo no Reino Unido, neva durante meia hora no Deserto do Sahara e acredita-se que estamos em pleno arrefecimento global, no início de uma nova era glaciar. Mas o acontecimento do ano foi, sem dúvida, a ACM (Associação Cristã da Mocidade) ter processado os Village People por difamação devido ao sucesso estrondoso do single “YMCA”.

Já tinha ido às aulas de manhã e feito os T.P.C.. A pedido da minha mãe estava à espera das filhas do Embaixador Brasileiro em Portugal que vinham entregar um cheque referente a explicações já dadas. Não se pode dizer que fosse um grande frete estar à espera delas em vez de ir para a rua para a galderice. Mais à frente perceberão porquê.

Deu-me um ratinho de fome, daqueles que não escolhem nem dia, nem hora e optei por uma maçã. Com o meu canivete novo, afiado de fresco, comecei a descascá-la com cuidado. Mas pelos vistos, não o suficiente. Dei uma naifada valente no indicador esquerdo e fiquei com a cabeça do dedo pendurada. A quente nem me estava a doer, parecia que era um filme e que aquilo estava a acontecer a outra pessoa.

(continua)

3 comments:

Isabel Da Rocha said...

Gosto especialmente do pormenor da ACM no teu segundo texto...dá-lhe, sem sombra de dúvida, um toque de veracidade!

Quanto ao primeiro texto não consigo perceber como é que um vegetal pró-activo não é amigo dos seus amigos....?????

Poisoned Apple said...

Conta mais! Conta mais!

Ervi Mendel said...

Catarina,

É que é um pouco como se fosse "canibalismo" :)

Poisoned,

Já está! Mas ainda falta o final...