Wednesday, February 4, 2009

The JackPea or The PeaPot

Aterro em Schiphol um pouco antes da seis da manhã. Tocar no solo enche-me sempre de tranquilidade, de tal modo que às vezes me apetece beijar o chão feito Papa. Deixei o Atlântico imenso para trás, estou de fusos trocados, músculos cansados e com uma fome que excepcionalmente bate aos pontos a vontade de fumar. Tenho cinco horas para matar e 3 euros e 50 cêntimos no bolso. Certinhos. Sei-o porque essas três moedas foram o suficiente para fazer disparar o detector de metais no aeroporto de origem.

Dirigo-me ao multibanco mais próximo que se recusa a dar-me 10 euros que sejam pois a comunicação com Portugal está, alegadamente, em baixo. A segunda caixa automática é mais do mesmo e à terceira recusa desisto. Opto por trocar alguns dos dólares que sobraram, até ao momento em que me apercebo das taxas obscenas que as agências bancárias do aeroporto me queriam cobrar.

Como a réstia é a última a morrer, dirijo-me ao Burger King, o Rolls Royce dos fast, e pergunto se aceitam Visa. Nem por isso. Também não têm menus a menos de 5 euros. Não se pode ser pobre em trânsito, está visto.

O meu estômago, além das horas, já dá os minutos, os segundos, o estado do tempo e informações sobre o trânsito. Ocorre-me pedir, cravar ou vender uns maços de cigarros a preços competitivos. Tantos europeus do norte, de certeza que consigo angariar alguns fundos. Enquanto me debato na minha miséria, um néon intermitente prende-me a atenção. “C-A-S-I-N-O”. Seis letrinhas que me arrancam a ferros o primeiro sorriso matutino.

No curto percurso até lá recordo um Setembro dos meus 15 anos em Espanha em que me alimentei à custa das slots dos cafés. Sim, pode-se ter tudo, sorte ao jogo, ao amor e aos aviões. É essa a minha convicção.

Depois de algumas formalidades é-me franqueada a entrada com um rasgado “Welcome Dr. Mendel”. O ambiente é algo surreal, pejado de fumo, luzes, sons e personagens dignas de uma fita do Lynch. Escolho o meu veneno. Uma máquina de póquer.

Sento-me confortavelmente, faço uma festinha na bicha e sussuro-lhe: “minha querida, meu amor, tenho muita fome”. O meu orçamento permite-me efectuar 7 jogadas a 50 cêntimos cada. À terceira, troco duas cartas e congelo o valete, a dama e o rei de paus. Como se de um acidente de automóvel se tratasse, a minha memória do evento é cinematográfica e decorre em câmara lenta. As cartas viram-se para revelar o 10 e o Ás de paus. Royal Flush. O primeiro e com toda a probabilidade o último da minha vida.

Há uma sirene que dispara no momento em que a máquina começa a regurgitar fichas em catadupa. Os outros jogadores, apercebendo-se do que acontecera, irrompem num improvisado, longo e ruidoso aplauso de pé. Alguns vêm mesmo cumprimentar-me com um passou-bem ou uma palmada nas costas. Os croupiers também me felicitam e ajudam-me, com uns baldes de pipocas gigantes, a recolher o vil metal em plástico que continua a jorrar das entranhas da máquina.

Num assomo de disciplina de jogador profissional resisto à tentação de continuar a divertir-me e vou à caixa trocar os baldes transbordantes. Guardando uma ficha para recuerdo, deixando uma generosa gorjeta à rapaziada e algumas centenas de euros mais remediado, despeço-me e rumo, finalmente, ao Burger King. Sou um homem de princípios inabaláveis.

Enquanto lambuzo os beiços e espalho sementes de sésamo na barba, penso na incrível probabilidade de 1 para cerca de 650 000 que existe de se fazer a sequência de cor máxima. Estar envolvido num desastre de avião é ainda mais improvável de acontecer pois as hipóteses rondam o 1 para 11 milhões. De qualquer maneira, num dia de tanta sorte como este, é melhor não brincar com estas coisas. Interpreto também o facto de me doer o rabo por estar sentado em cima de uma carteira tão cheia como um sinal que preciso urgentemente de fazer algo que devolva o equilíbrio ao meu cosmos, que harmonize a minha aura mística.

E assim é. Depois de acordar várias pessoas em Lisboa com telefonemas histéricos a relatar o meu feito, torro todo o dinheiro que ganhei em prendas para os meus. E sim, largas horas depois, chego são e salvo a casa.

17 comments:

Anonymous said...

isso foi um sonho?

Anonymous said...

quem não tem sorte nem ao jogo, e não costuma andar com dinheiro, sabe, por experiência muitas vezes repetida, que a solução é usar o Visa para comprar toblerone. (nota: na Argentina é melhor Master Card).

Anonymous said...

http://www.apostaganha.pt/royal-flush-vs-poker-de-ases/

(só para quem usa cartão FêCêPê!)

GPC said...

"Como a réstia é a última a morrer"

?!??

(o que pensará o ervilha sortuda que é uma réstia?)

Mad said...

És tão, mas tão mentiroso!!!

Flav'of Love said...

A natural born storyteller. Congrats!

Angelblue said...

LOL Quando é que voltas ao casino? tens o meu mail não tens? :D LOL

de Marte said...

se fosse no casino de Lisboa, era tudo um erro técnico e passavam-te vinte euricos para a mão! E já gozavas!!!


:P

cat in a bag said...

O_O Really?? woow

Kika Canas da Lapa said...

E depois acordaste todo molhado...

LOLOLOL

Anonymous said...

eu nao recebi prenda nenhuma

Alexandra said...

Gostei! :-)

Mas, depois disso,ir ao Burger King... Não, não e não! :-D

Anonymous said...

E eu sou a Lady Di. :-P

Patrícia said...

a ver s te lembraste de me mandar um recurdo, hã?!?!

Anonymous said...

Vê lá se compraste alguma coisa pra mim..! humpf!

Cor do Sol said...

Se soubesses o que já passei por dizer Schipol à moda Inglesa em Amesterdão. ehe.

Nagareboshi said...

não acredito O_O, não pode ser...ahahhaha...