Sunday, July 8, 2007

O Cavaleiro Corneteiro


Caminhava eu pela Avenida Grão Vasco observando as amoreiras em folha quando me deparo com uma cara familiar. Este meu olho de lince não engana, era mesmo o Arnaldo, o tipo que fazia umas cábulas brilhantes para a disciplina de Práticas Admnistrativas do 8º ano do liceu.

Na altura, na minha ingenuidade púbere, pensava que esta disciplina era um imenso desperdício de tempo, nunca imaginando que serviria para escrever estas linhas ao dobro da velocidade, com dois dedos em vez de um. Também é óptimo para impressionar as raparigas, sobretudo quando se começa a dissertar sobre teclados AZERT, QWERTY e esse saudoso Lusitano e meu favorito pessoal, o HCESAR, criado por decreto do melhor português de sempre em 21 Julho de 1937.

A razão pela qual o Arnaldo fazia cábulas para P.A. ainda hoje me ultrapassa. Ele tinha elevado esta nobre actividade a uma arte. Era o seu dom. Era o que o Arnaldo fazia. Nem mais, nem menos. Nunca fui de me meter na vida dos outros e por isso nunca lhe perguntei, mas às vezes ainda me interrogo sobre o assunto.

Dirigi-me a ele de mão estendida e sorriso aberto:
- Arnaldo, há quanto tempo!
- Ervilha Alucinada (N.B.: a minha alcunha no 8º ano devido a um infeliz incidente com drogas psicadélicas fora do prazo de validade), meu malandro! – respondeu cumprimentando-me efusivamente no seu estilo característico.

A conversa seguiu fluida, povoada por filhos, ex-mulheres, contratações do Benfica, o meu Blog não governamental sem fins lucrativos, os bons velhos tempos, a Setôra de Biologia que nunca usava cuecas, e a vez que fomos parar à esquadra da Polícia por causa de um mal-entendido de Carnaval. Já na altura havia pessoas sem sentido de humor. Nunca hei-de compreender porque é que ser atingido por ovos podres não é universalmente hilariante. Só neste país! Francamente!

Não mencionámos a Fátinha. Entre homens, ou tínhamos deixado de nos falar há muito e/ou teríamos chegado a vias de facto ou então nunca tocávamos no assunto. Ele gostara mesmo dela, eu nem por isso. Não foi além do marmelanço da praxe, strictly by the book, com toneladas de saliva trocadas (acredito que não sofro de alergias graças a eventos como este) e muita esfregadela por cima da roupa.

Já nem tenho a certeza, mas penso que uma vez, no meu dia de anos, cheguei até ao soutien. Mas isso pode ter sido com a Lúcia, que pensando melhor, até se chamava Laura e tinha um rabo em forma de coração. Ainda estou para saber se isso era bom ou mau, mas pelo menos gerava um grande furor junto dos meus pares.

A dada altura o Arnaldo pareceu-me menos animado e até um pouco melancólico. Olhei melhor para ele e percebi que era carteiro. Tinha um colete cinzento e uma espécie de carrinho de compras com o Cavaleiro Corneteiro, símbolo dos CTT.
Achei maravilhoso. Estou farto de dizer às minhas amigas fashion para em vez de malas da Burberry usarem malas e roupinhas dos CTT. O logo é igualzinho, poupam-se uns cobres para a Donna Karen, Ann Taylor e afins, e sempre se apoia e publicita uma instituição nacional.
Claro que elas olham para mim como se eu estivesse a propor a solução final, o fim do capitalismo e da globalização, como se eu fosse doido varrido e tivesse um blog chamado ervilhas albinas.

Ser carteiro é uma das mais belas profissões do mundo. Sempre fantasiei entregar telegramas, pedir que assinassem registos, caminhar heroicamente sob o peso dos cartões de Natal, depositar bikinis da La Redoute à porta da vizinha curvilínea do 6º esquerdo ou, melhor ainda, entregar em mão os massajadores faciais à divorciada do 2º frente.

Não tenho a presunção de ter um sexto sentido como as mulheres, mas tenho uma costela, um dedinho, que me faz possuir um quinto vírgula três sentido. E algo me dizia que o Arnaldo estava envergonhado de ser carteiro. Como se a vida o tivesse atraiçoado com punhaladas sucessivas nas costas e privado de se ter tornado no maior cábula do mundo, ou pelo menos, no marido da Fátinha.
Arnaldo nunca poderia imaginar a inveja que eu sentia dele, que por detrás do meu fato Massimo Dutti e dos dentes branqueados estava um motoqueiro sem mota, um carneiro já pró cota, uma alma da derrota, um alexandre não frota.

- Prazer em ver-te
- Igualmente

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