Eu devo ser muito anormal, mas a verdade é que nunca fiquei sem carga no telemóvel. Admito que possa acontecer aos melhores, uma ou outra vez por ano, desde que não seja de forma sistemática. Afinal não é muito complicado: é só controlar as barrinhas e ligar ao transformador quando é preciso. Tenho fé que qualquer pessoa com um mestrado em letras o consiga.
Aliás, não me lembro de nenhuma ocasião em que me tenha faltado a carga para o que quer que fosse, tirando daquela vez, nos tempos da tropa, em que o buço da Etelvina picava em demasia e eu estava exausto da pista de combate. Recordo-me, como se fosse hoje, de lhe sussurrar ao ouvido “Gillette, Wilkinson, Philishave”, enquanto ela dormia no meu regaço, na vã esperança de lhe incutir subliminarmente aquilo que nunca tive coragem de lhe dizer frontalmente.
Convenhamos, no entanto, que há pessoas que passam a vida sem bateria. Não compreendo porquê. Se é desculpa esfarrapada, para que é que têm telemóvel? Se é verdade porque carregam um peso morto com elas? Mesmo que sejam mulheres e o dito cujo ande perdido no abismo negro que é uma mala de senhora, é inexplicável.
Também me ultrapassa quem opta por dormir com ele ligado. Concluí que a responsabilidade é do
pool genético português. Que melhor do que chegar ao emprego pela calada da manhã logo com queixumes e peripécias do triste fado: “Estou muito mal. Não dormi nada. Recebi um sms para
downloadar gratuitamente a nova música da Shakira às 3 da madrugada e não consegui mais pregar olho a pensar naquelas ancas parideiras com epilepsia”.
Pelo amor da santa, minha nossa senhora do caravaggio, cocem as vossas, que eu também já cocei a minha!
Pior que tudo isto junto, e misturado com uma caldeirada de peixe, é a falta de civismo generalizado e o desprendimento com que as pessoas falam em público, largando tudo e todos para atender uma chamada ou responder a uma mensagem.
Não percebo como é que não posso fumar em restaurantes, elevadores, salas de aula, hospitais e recintos desportivos, sob falsos pretextos de afectar a saúde de terceiros, e é permitido fritarem-me o cérebro com radiações nefastas
** e azucrinarem-me os ouvidos com conversas de comadres e toques estridentes de bebés a rir, a chorar ou a serem molestados por uma manada de deputados (pelo menos é o que a mim me soa, mesmo não tendo qualquer experiência como
cowboy. Bem, pensando melhor...)
Para finalizar, não queria deixar de deixar (figura de estilo Ervi ©) aqui algumas notas positivas sobre o uso e desuso dos telemóveis: adoro quando o tenho no bolso esquerdo das calças e ele vibra como se não houvesse amanhã. Normalmente até dou um gritinho e ajeito o decote. É uma forma simples de andar contente de ver toda a gente e contribuir para um mundo melhor.
Também acho maravilhoso estar a defecar, com todos os sons inerentes a tão nobre e universal actividade, e conduzir uma conversa formal. “Claro que sim Sr. Secretário de Estado –
pum épico – mando-lhe já um fax –
plof ping schlap – é que é já a seguir –
gemido sofrido de dor hemorroidal – estou mesmo com a mão na massa!”. Não aconselho a iniciados, pois as partes do esfreganço do papel no vale virginal (falo por mim), do manejo à mosqueteiro do piaçaba e da descarga auto cataclísmica múltipla, envolvem uma destreza considerável, de modo a que o telemóvel não vá parar ao fundo da sanita (e fique sem carga, ahahah!!!), só ao alcance de uma mão cheia de cagadeireiros iluminados.
** não se preocupem que tal e qual como no caso do fumo em segunda mão, não há nenhum estudo credível que aponte no sentido dos telemóveis serem prejudiciais à saúde física (à mental não me restam quaisquer dúvidas!).